segunda-feira, 17 de março de 2014

Eu

Eu queria ser um poeta, um compositor. Eu queria ser um profeta, um professor. Eu gostaria de ser um menino, um jogador. Eu gostaria de ser um mendigo, um perdedor. Eu queria não ter compromissos, não ter família, não ter sede e nem sede. Eu queria que a vida fosse um isolamento e eu fizesse parte única do universo. Eu queria ser um juiz, um promotor. Eu queria ser um réu, um matador. Eu poderia ser isso tudo ao mesmo tempo, mas não queria ser Deus. Eu queria hoje que o céu caísse sobre minha cabeça e explodisse a descoberta e descortinasse a coberta para que meus medos passassem. Eu queria meus filhos crescidos e eu despreocupado. Eu queria dar um tiro no peito de um jornalista fracassado.
 
Aliás, eu preferia ser um profissional frustrado, porém endinheirado, para não me preocupar nunca com as contas vencidas. Não valem as palavras e as escritas, ouvidas e lidas pela humanidade, quando não há o retorno esperado. Eu queria mesmo é se lixo, não ser lido. Eu queria mesmo é talvez nem ter nascido para não ser amputado, explorado e maltratado. Eu queria ser músico, violonista, para não ter ouvidos de mercador. Ou mesmo percussionista pra sempre desabafar sobre o tambor. Mas não me resta muito mais tempo. Meu tempo é curto porque já passei do tempo e minha esperança é míope porque está cheia de desesperança. Nem a chaminé sopra mais a produção do aço. A minha cidade está triste e meu povo desamparado. Eu queria mesmo é ter partido sem nunca ter chegado. E ter vindo sem idas, sem despedidas, sem prantos e sem consolo. Nunca devia ter amado porque o gosto amargo do amor fica nas salivas, para sempre. Devia talvez ter odiado os meus amores para todo o sempre. Talvez sido castrado a dor seria menor. E não acreditaria nas promessas.
 
Eu queria ser um poeta, um compositor. Eu queria ser o diabo, o advogado e um doutor. Queria ser amargo e nunca me sentir idolatrado pelos homens que um dia ficaram calados. Mudos, isolados e perdidos. Eu queria partir porque me sinto fraco. Mas antes eu queria me despedir dos fortes.

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