segunda-feira, 13 de abril de 2015

'Diminuir a violência depende de todos nós'

Entrevista da semana - Jair Antônio Pontes Neto

A população pode ajudar muito na redução dos índices de violência na medida em que mudar hábitos, passar a respeitar mais as leis e o direito dos outros. A opinião é do comandante do 26º Batalhão de Polícia Militar de Itabira, tenente-coronel Jair Antônio Pontes Neto. Ele cita como exemplo o fato de, recentemente, quatro adultos terem filmado, ao mesmo tempo, a briga de duas adolescentes sem que nenhum deles tentasse apartar. A diminuição da maioridade penal é tema polêmico ao qual o comandante não se furtou: “Sou a favor”. Mas defendeu a educação de tempo integral e a saúde de qualidade como instrumentos para livrar os adolescentes das drogas e, consequentemente, do crime.
 

Diário – Qual é a sua avaliação sobre a segurança pública em Itabira?
 
Jair Antônio Pontes Neto – Nós temos que analisar a criminalidade como um contexto geral. A gente vive uma ascensão da criminalidade no país, já há alguns anos, e infelizamente isso atingiu o nosso estado e atingiu a nossa cidade de Itabira. Eu falo de Itabira, mas o batalhão representa mais 10 cidades, então tem Barão de Cocais, Santa Bárbara, cidades que pelo tamanho não eram para ser atingidas. Mas é uma questão contextual, não é um problema de Itabira, mas um problema nacional e que acabou atingindo Itabira também. 
 
 
– O índice de violência em Itabira assusta?
 
– Não assusta, preocupa. Tem dois ângulos para falar sobre isso. Primeiro, por ser uma cidade pacata, assusta os números que alcançaram. Mas se você for fazer uma análise contextual, nós vivemos em uma cidade em que proporções maiores em outras cidades foram atingidas. Nós vivemos de certa forma numa situação ainda mais tranquila que outras tantas cidades do estado. Então é uma situação que preocupa em razão do histórico da cidade, por ser uma cidade que tinha um histórico pequeno. Mas é importante que se fale: o problema da segurança não é atual. É um problema que vem ocorrendo há mais de três, quatro anos.
 
 
– Relaciona-se muito o crescimento da criminalidade aos adolescentes, e a cidade não tem lugar para interná-los. O que fazer diante desse quadro?
 
– Imediatamente, precisamos de um local de internação. Não podemos nos furtar de dizer que para resolver imediatamente é necessário ter o local de ressocialização, porque eles vêm impactando na criminalidade. Tem menores que cometem 3, 4, 5, 6, 7 roubos e que saem da delegacia antes da guarnição. Que ficam algum tempo acautelados, mas que daí a pouco estão nas ruas de novo e continuam a cometer crimes. Então, de imediato, é necessário que tenha o local de ressocialização. Isso é patente, não tem como discutir isso. 
 
 
– O quê mais é preciso?
 
– Eu quero para a nossa Itabira uma questão que se resolva para a vida toda. Não quero resolver agora. E para isso vou trabalhar em dois campos principais que estão diretamente relacionados com isso. Se você for olhar porque esses menores estão envolvidos com a criminalidade, isso é cientifico, 80% desses crimes estão relacionados com o uso e o tráfico de drogas. Eu estou falando de questões a médio e longo prazo, de imediato é o centro.
 
Eu preciso de educação de qualidade, preciso de uma escola de tempo integral, preciso tirar essas crianças da rua. Eu preciso ter uma escola que permita esse menino ter um aprendizado eficiente, de qualidade, que ele tenha prazer em estar na escola. Eu preciso que esse aluno adolescente tenha um curso profissionalizante, que vislumbre uma possibilidade de vida pra frente. Que esse menino tenha uma hora social. Todos nós precisamos disso. Então precisamos trabalhar a educação de qualidade. Eu defendo muito isso: a educação de tempo integral, tanto no ensino fundamental, quanto no ensino médio. Isso é extremamente necessário para atendermos uma situação de longo prazo. 
 
 
– E qual é o segundo campo de trabalho para solução desse problema?
 
– Junto com a educação de qualidade, eu preciso de uma saúde que vai recuperar esses menores que são viciados, porque eu tenho tráfico, porque eu tenho gente que compra. O dia que não tiver gente que compra, eu vou acabar com o tráfico. Se eu tiver uma educação de qualidade, que meus menores não vão mais usar drogas e se eu tiver uma saúde que vai recuperar os viciados, acabou. Parece utopia, mas este é o quadro que eu desenho. Esses números, com certeza vão reduzir, de maneira extraordinária.
 
 
– E a população, como pode ajudar no combate à criminalidade?
 
– Há quem diga que o grande problema nosso é cultural. E a gente enfrenta hoje, e aqui não vai saudosismo nenhum, mas nós, população, precisamos começar a cobrar a mudança de nós mesmos. A mudança começa por nós. Vou contar uma história que aconteceu há 30 dias atrás. Eu recebi um vídeo de duas adolescentes brigando em praça pública. E nessa filmagem que foi presenciada por essa pessoa, que é adulta, que enviou o vídeo. Enquanto filmava, ela filmou mais três adultos filmando a mesma coisa. Eram quatro adultos que ficaram filmando e ninguém entrou para apaziguar aquilo ali. Eles viram as duas adolescentes se engalfinhando, rolando no chão e eles ficaram filmando, não foram capazes de intervir como antigamente.
 
Então, a melhor maneira da sociedade ajudar é mudando comportamento. Porque se eu não mudar eu não tenho como cobrar das pessoas que erram acima de mim. Se eu estaciono em lugar proibido, em cima de faixa, se não dou passagem para o outro, se eu deixo o som da minha casa alto pertubando o vizinho, eu não vou poder cobrar do outro que estiver cometendo atos maiores aí de corrupção, seja lá o que for. 
 
Então eu penso que a melhor ajuda da sociedade, de nós, isso cabe para mim também e para todos, é uma mudança cultural. Porque se nossas crianças são interpeladas na escola e os pais no dia seguinte vão lá? Porque as crianças do Japão, que é um país de primeiríssimo mundo e que tem uma cultura completamente diferente da nossa, faz parte da educação deles, eles lavarem o banheiro da escola uma vez por semana. Aqui se fizer isso é um Deus nos acuda. Então precisa mudar comportamento. E a grande contribuição da população vai ser isso. Se eu mudo comportamento, se eu educo meu filho da maneira correta, eu vou ter um cidadão melhor para a sociedade, vou ter menos crimes, menos problemas. Obviamente, na questão da Polícia Militar nós temos o 181, onde a pessoa pode denunciar um foragido da Justiça, um crime, e terá a identidade preservada. Numa questão muito mais imediata, o 190, que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, é só fazer o contato e conversar com o atendente e explicar que não gostaria de aparecer.
 
 
– Outro problema é a sensação da impunidade. Como resolvê-lo?
 
– É um tipo de pergunta que deveria ser direcionado para outro profissional, mas eu não fujo da questão. A sensação da impunidade existe porque não há punição. Eu como menor, sei que posso cometer o crime porque a lei me ampara. Eu sei que naqueles crimes violentos, eu preciso ter uma vaga nos centros e que hoje o Estado não tem, então eu vou continuar livre. Não tem punição para mim. Estamos falando do menor, vamos passar para o adulto. Nós tivemos em dezembro, num período de duas semanas, nós tivemos aí mais de 10 roubos praticados por uma única pessoa em Itabira e cidades próximas. Uma pessoa que estava presa e que tinha acabado de ser liberada. Não fugiu não, ele foi liberado. A nossa Justiça colocou na rua. Não é culpa do juiz, do Ministério Público. É a Justiça, a lei. 
 
Na legislação penal diz que ele cumpriu um determinado período ele vai para a rua. Quer dizer que ele não se ressocializou e voltou cometendo crimes, impactando nessa violência de maneira absurda, sendo que se ele estivesse preso, nós teríamos evitado isso. Para melhorar o problema da impunidade é melhorando as leis. Eu não me furto de responder, porque eu tenho dito isso inclusive para os nossos representantes. Ou seja, é hora dos nossos representantes municipais buscarem os nossos representantes federais dizendo que é hora de buscar uma mudança no nosso Código Penal e precisamos urgentemente.
 
A nossa Lei de Execução Penal é totalmente antiga. Ela é obsoleta demais, já não acompanha o contexto atual. Não vou entrar aqui no mérito do que tem que mudar. Mas ela precisa mudar, porque o que está aí não dá sensação de que o criminoso será corrigido. Eu, criminoso, penso que não serei corrigido. Eu tenho a sensação de impunidade. E as cadeias estão cheias, não é por falta de prisões. Enquanto o crime sobe, as cadeias sobem [lotam] também. A gente precisa mostrar que existe uma punidade. Que se eu cometer algum crime, eu vou... A gente copia de alguns outros países que o crime é tratado como crime. No nosso país não é tratado o crime, é tratado o criminoso. Em outros países é tratado o crime. Independe de você ter dois ou 100 anos, você vai ser responsabilizado pelo crime e não pela sua idade. Eu vejo que na experiência profissional que eu tenho, uma saída poderia ser essa.
 
– Então o senhor é a favor da redução da maioridade penal?
 
– Eu deixei isso implícido na minha resposta anterior.
 
 
– Poderia falar então de forma explícita?
 
– Sendo explicido: eu sou a favor.
 
 
– Aí esbarramos no problema do sistema carcerário. O Brasil tem estrutura para isso?
 
– Esbarra porque hoje a cultura é essa. Eu vou ficar lá 20 dias, eu não me importo de cometer o crime. À medida que eu souber que ao cometer um homicídio vou ficar preso 20, 30 anos, mesmo tendo 14 anos, eu não vou cometer o crime mais. Então a cadeia vai ficar vazia. A superpopulação carcerária está diretamente relacionada com a nossa legislação penal, porque eu sei que aquilo ali é transitório. Eu vou ficar lá algum tempo e vou sair e dizer que eu paguei o que eu devia.
Nós abordamos alguns autores em situação suspeita e a resposta foi essa: “Eu já paguei o que eu devia”. Se foi um homicídio foram quatro anos, se foi um roubo pagou com dois anos. A minha conta com a sociedade já foi paga. E é interessante que seja assim. Só que esse período tem sido muito curto. A gente entende que poderia ser um período maior. E por isso mesmo eu acho que a redução da maioridade penal deveria existir.
 
 
– Uma Guarda Municipal pode auxiliar a PM?
 
– Em conversa com o prefeito eu disse a ele que o elogio, primeiro pela criação da pasta [Secretaria Municipal de Segurança Pública], em segundo, a escolha da pessoa, o coronel Julio Maria Abílio, e o projeto da criação da Guarda Municipal. Eu já tive a experiência de trabalhar com Guarda Municipal em outras cidades e ela faz a nossa tropa se tornar ainda maior, porque é mais alguém que vem jogar do nosso lado, fazer parte do nosso time. São olhos que o PM não está mas que a Guarda Municipal está e poderá trazer para nós. Em Betim fizemos trabalhos em conjunto.
 
 
– O que já mudou neste seu período à frente do 26º Batalhão?
 
– É muito difícil substituir um militar do nível do coronel Júlio [Maria Abílio Ferreira]. Ele é uma pessoa muito mais séria do que eu, muito mais competente do que eu, então eu tenho que correr muito para ver se consigo acompanhar os passos dele. O principal papel nosso é manter o que já estava em andamento, porque o Júlio só não está comandante mais porque ele aposentou – é uma aposentadoria obrigatória. Aí a minha preocupação maior era manter o que já vinha sendo feito, é tentar seguir os passos dele. 
 
Obviamente, estando aqui já há este tempo, eu vou dizer uma coisa com toda sinceridade, em 27 anos de serviços efetivos na PM: Itabira deveria se orgulhar do efetivo que tem aqui. Não falo de mim, porque eu vou embora, sou transitório, mas destes policiais permanentes. Eles são extremamente compromissados, percebe-se a preocupação deles nas redes sociais. Mesmo quando eles estão de folga, passeando com a familia, eles continuam trabalhando.
 
É mesmo um grupo que está dando orgulho de dizer que sou policial militar. Eu tenho trabalhado para motivá-los ainda mais. O meu trabalho é mostrar que sou mais um soldado junto com eles. Eu sou um policial de Minas Gerais, mas estou falando especificamente de Itabira. Estou feliz de estar aqui e lamentando não ter vindo antes.
 
 
– Qual o seu principal projeto para a cidade?
 
– O meu projeto é diminuir a criminalidade e vou fazer isso motivando essa tropa, que já é boa por natureza.
 
 
– O delegado regional Paulo Tavares Neto, plagiando um ex-secretário estadual de Segurança Pública, disse que “bandido bom é bandido morto e enterrado de pé, para não ocupar muito espaço”. O senhor concorda?
 
– Não. Eu respeito muito o doutor Paulo e vou até fazer uma defesa dentro do cenário que a gente mostrou em que as nossas leis penais não são cumpridas, onde os criminosos vão e voltam às vezes piores do que foram e impactam na violência e a sensação que dá é essa, de que se tivéssemos uma pena de morte... Mas o nosso sistema não é esse. O nosso sistema é de recuperação. Nós trabalhamos para preservar a vida, recuperar. Gostaríamos de continuar com a população que tem e sem crimes. Mas eu não estou contestando o doutor Paulo não.
 
 
Saiba mais sobre o entrevistado
 
Jair Antônio Pontes Neto nasceu em 1º de março de 1967, em Juiz de Fora. É filho de Arnaldo Antônio Pontes e Áurea Maria Barbosa Pontes e o mais velho de dois irmãos. Ingressou na Polícia Militar em 1987, como soldado do 2º Pelotão de Juiz de Fora. Em 1991 se formou aspirante e foi promovido a tenente-coronel em 2012. Em setembro do ano passado foi designado para o 26º Batalhão de Itabira. Trabalhou também em Ituiutaba, Teófilo Otoni, Igarapé, onde comandou a 7ª Companhia, que tem estrutura de batalhão, e em Betim, comandando a 33ª Companhia.
 
 
Fonte: Jornal Diário de Itabira 

Nenhum comentário:

Postar um comentário