terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cartas de Drummond integram acervo público em Itabira

Primo do poeta e superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, em Itabira, Marconi Drummond Lage destaca o conteúdo familiar do conjunto de documentos (Foto/Jair Amaral/EM)

No dia em que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) completaria 111 anos, nesta quinta-feira, os admiradores do poeta vão ganhar um presente: a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade acaba de adquirir um lote de documentos raríssimos. São correspondências destinadas a amigos e, principalmente, à mãe dele, escritas a partir de 1915 e que vão até 1986. 
 
Em tempos de debate sobre a importância das biografias, o conjunto de documentos pode ser considerado uma espécie de capítulo de autobiografia, fundamental para a compreensão da vida e obra do poeta. Até então, esse tesouro estava guardado dentro de um armário. O dono era o jornalista e empresário de Lavras, no Sul de Minas, Eduardo Cicarelli. “Estou duplamente feliz. Primeiro porque não queria que essas cartas saíssem de Minas em hipótese alguma. Além disso, porque a história de Itabira agora tem um capítulo de Lavras”, diz.

Cicarelli é colecionador de selos e foi graças ao hobby que descobriu a correspondência de Drummond, há mais de 20 anos. Na verdade, foi por intermédio de um amigo, o advogado Anísio Cader, que conseguiu comprar o lote de documentos de parentes do poeta. Somente anos mais tarde soube que pertenciam a Ita, a cunhada de Drummond, que, por sua vez, herdou as cartas da sogra, Julieta Augusta, mãe do poeta.

Do Rio de Janeiro, o jornalista e empresário levou o material para Lavras com o intuito de fazer uma exposição no Instituto Brasil Estados Unidos da cidade. A mostra não vingou e ele guardou o material por 20 anos. “Se você detém essa informação e não repassa, é preferível nem ter. Chega uma hora que não dá mais para ficar atendendo jornalistas e pesquisadores”, afirma Eduardo. Quando tornou público seu desejo de vender o material, recebeu propostas de um site inglês e também de pesquisadores franceses.
“Imediatamente, fiquei alvoroçado. Não é todo dia que se encontra um lote de documentos tão preciosos, que dizem respeito sobretudo à intimidade do poeta”, conta Marconi Drummond Lage, primo do escritor e atual superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Pelo lote de valor inestimável entregue ontem durante cerimônia realizada em Lavras, a instituição pagou R$ 21 mil.

“São cartas endereçadas à mãe e conhecemos pouco da relação dele com ela. Com o pai, a obra traz alguns apontamentos. As cartas guardam muito sobre rotinas familiares, a saúde, o nascimento da filha, a notícia do noivado. É um manancial riquíssimo que ainda está por ser desvendado”, completa Marconi.

O lote tem 212 itens, entre cartas, fotografias, bilhetes, postais, escrituras e telegramas. O que mais chama a atenção são as trocas de afetos com a mãe, Julieta. Para se ter uma ideia da delicadeza com que se tratavam, sempre iniciava as correspondências com “Querida mamãe” e terminava com pedidos de bênçãos, uma curiosidade para o poeta de conhecido ateísmo. “Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores”, escreveu em 1948.
 
 
Leia trechos de cartas escritas por Drummond e familiares
 
De próprio punho
 

3 de maio 1925

 
“Flaviano, abraço a todos Vou dar-te uma notícia: pretendo casar-me no dia 30 de maio próximo futuro com a srta. Dolores Morais. Comunicado isso, faço um convite, muito sincero e muito amistoso, tanto a ti como a Ita e crianças para que venham assistir o meu casamento.”
 
 
4 de maio 1943
 
“Querida mamãe, Aqui esta de novo seu filho depois de alguns dias de silencio, motivado pela trabalheira no ministério. De saúde vamos todos bem aqui nesta casa. A vida é normal, apesar da carestia de gêneros que a guerra tem determinado. Como deve saber, falta municipalmente açúcar e o governo resolveu racionar esse produto, para evitar mal maior. A quantidade de que dispomos, entretanto, é suficiente para o gasto normal. Espero que também aí a senhora não esteja privada do necessário. Se houver falta de alguma coisa, talvez eu possa ajudá-la, remetendo, por portador. Não tenha, pois, constrangimento em escrever.”
 
 
De Maria Julieta para Julieta
 
Rio, 5 de agosto de 1943
 
“Dindinha, Papai ganhou de um admirador incógnito uma rede colorida. Instalamo-la na pérgola e atualmente, o maior encanto da família consiste em munir-se de enorme provisão de biscoitos e – um livro debaixo do braço, Puck saltando atrás – deitar-se na rede. (…) Muito obrigada por tudo, Dindinha. A senhora é um amor. E eu serei sempre a neta dedicada. Maria Julieta”
 
 
Rio, 27 de fevereiro 1948
 
“Querida mamãe, Hoje resolvi fazer-lhe uma surpresa: mandar-lhe estas fotografias, para despertar na senhora algumas saudades. Lembra-se desse lugar? Certamente que sim. É o seu antigo Colégio de Macaúbas, onde a senhora passou algumas horas de sua vida.
 
Continuo naturalmente sem notícias suas, mas fico desejando que elas não sejam más. Como eu desejaria fazer alguma coisa para confortá-la em sua doença! Só me resta, porém, pensar afetuosamente na senhora e desejar-lhe dias tranquilos no seu cantinho do São Lucas.
 
Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores. Todo carinho e saudades do Carlos”. (informações do Jornal Estado de Minas)
Fonte: Jornal Estado de Minas (Carolina Braga - EM Cultura)

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