“Terça-feira, dia de gravação, é o meu domingo. Amo o que faço.”
Carlos Alberto de Nóbrega, de 74 anos, senta-se religiosamente na mesma praça, no mesmo banco, há 23 anos. Ele comanda o humorístico A praça é nossa, que lançou nomes célebres do humor, como Bronco (Ronald Golias), a Velha Surda (Ronald Rios) e Vera Verão (Jorge Lafond). Na TV, figuras de todos os tipos, das debochadas às raivosas, vão ao seu encontro para tirá-lo do sério e fazer rir. Fora do ar, porém, a solidão o entristece. De bem com o patrão, Silvio Santos, Carlos Alberto se apega ao trabalho para esquecer as dores – da separação e as de suas hérnias – e atrasar a volta para casa. Um castigo divino, define ele, para alguém tão apegado à família. Ele falou à reportagem sobre filhos, Silvio Santos e velhice.
Como está sua saúde? É verdade que tem trabalhado com dor?
Tenho uma hérnia grande, três pequenas e dois bicos de papagaio. Na Praça, sento no banco às 15h. Às 18h, a dor começa a incomodar. Uso até uma cinta. Tenho muito medo de entrar no centro cirúrgico. Então, estou convivendo com a dor. Tenho um remédio à base de morfina, mas prefiro a dor.
Em nenhum momento pensou em tirar o pé do trabalho?
Só paro de trabalhar quando morrer ou por castigo de Deus. Terça-feira, dia de gravação, é o meu domingo. Amo o que faço.
Está acostumado à solteirice?
Durante 25 anos, trabalhei no Rio de Janeiro, na Globo e na Tupi. Eram quatro dias por semana em hotel. Mas sabia que, quando voltasse para São Paulo, tinha um lar. Hoje, volto para casa e não tem ninguém. É uma tristeza. É o silêncio da solidão. Embora seja amigo da Andréa (Nóbrega, a ex-mulher, mãe de dois dos seus seis filhos, de quem se separou em 2009), houve um corte, estou magoado. Não vou tocar nesse assunto nunca, mas estou triste. Muitas vezes, eu choro. Quando os gêmeos (os filhos com ela, Maria Fernanda e João Vitor, de 10 anos) vão embora depois do fim de semana, é terrível. Fica aquele silêncio. O pior é que meu cachorro é bonzinho, nem latir aquele desgraçado late. Tenho muito medo de morrer sozinho.
Por que a mágoa com a ex?
Se ela me trocasse por um homem mais jovem, mais bonito, mais poderoso, mais gostoso, melhor de cama, eu ia entender. Mas ela me trocou por uma vida que ela quer. É como se tivéssemos um conjunto musical e ela quisesse fazer carreira solo.
Você já perdeu muitos colegas ao longo dos anos. Recentemente, a Hebe deu um susto em todos…
O sentimento de perda é muito grande. Fui o primeiro a chegar ao hospital para visitar a Hebe internada. Amo a Hebe. Ela me liga à 1h quando está zangada e descarrega em mim. Ela sempre me chama para sair, mas não vou, senão vou ser o único desacompanhado. Eu não bebo, não fumo, não tenho vício. Pô! A Hebe bebe uma garrafa de vodca como eu bebo refrigerante. Ela sempre foi muito minha amiga. Foi madrinha do primeiro casamento, há 52 anos.
Você sempre foi um homem de muita fé. Isso já balançou?
Ah, balançou. Mas disso eu não gostaria de falar… Meu pai e minha mãe morreram em um intervalo de apenas seis meses, e não rezei e nem pedi nada a Deus. Hoje, estou bem com o homem lá de cima. Não sou de ir à igreja, não tenho religião definida. Meu Deus não precisa de dízimo para me ajudar. Mas eu converso com Deus. Um dia desses, fui me deitar e falei: “Deus, que sacanagem é essa? O que foi que eu fiz?”
Teve alguma resposta?
Estou pagando pelo que fiz. Há 18 anos, larguei minha mulher, uma senhora de 54 anos, para ficar com a Andréa (que na época tinha 25 anos). Então, é justo que hoje eu sofra o que eu fiz a Marilda (primeira mulher dele, hoje com 72 anos) sofrer. Não posso me revoltar. Aqui se faz, aqui se paga. Se a Ana Hickmann largasse o marido para viver comigo, Deus era mau. Eu tenho de pastar. Eu fui muito infeliz no primeiro casamento. Fui covarde. Não dei chance para a minha mulher ser feliz. Ela já era avó quando saí de casa. E ela tem uma pensão que é o dobro da que a Andréa recebe. Quando me separei, os filhos ficaram com a mãe. Eu perdi minhas netas. Porque se vovó é mãe com açúcar, na casa do vovô tinha uma moça de 25 anos que queria ter a vida dela.
Como é ter 74 anos e ser pai de crianças de 10 anos?
Não sou pai. Sou avô deles. E sou meio machista. Se um dia alguém encostar a mão na Maria Fernanda, eu mato. Não é expressão, não. Mato mesmo. Tenho mais de 70 anos, não vou preso. Mas se o João Vitor levar porrada, vai ter de se virar.
Mas isso só vale para a neta?
Sou um chato com as meninas da Praça. Já briguei muito com figurante. Aquilo não é bordel, exijo respeito. Elas poderiam, se quisessem, ganhar 20 vezes mais sendo garotas de programa, não estariam ali para ganhar R$ 150 em uma figuração. Então, falo para elas não rasgarem a saia. Minha cabeça mudou depois que tive filha. Cortei muita coisa do programa.
Como é a relação com o seu filho Marcelo, que é seu diretor?
O Marcelo é um cara que, se achar um monte de cocô na porta de casa, vai dizer: “Ganhei um cavalo!” Ele vê a audiência e me liga: “Pai, deu 11 pontos!” É mentira. Deu 9, mas ele aumenta para eu dormir bem. Marcelo nunca vai ser meu sucessor. Digo para ele o que meu pai me dizia: “Gruda em mim, que um dia vai sobrar para você”. Mas ele não quer. O problema é que estou ficando velho. Com 56 anos de carreira, não tenho que desejar mais nada, a não ser o final feliz.
E a paixão por automóveis?
Não parei de dirigir, mas não tenho os mesmos reflexos. Tenho duas Mercedes que só uso para ir ao trabalho. Para viajar, uso minha picape blindada. Já dei fechadas, fiz barbeiragens. A sorte é que acabam me reconhecendo e caem na risada.
Você e o Silvio Santos são amigos há mais de 50 anos. Como é a relação de vocês hoje em dia?
Não falo com ele há mais de um ano. Mas na amizade não há a necessidade de se estar presente. Aprendi a viver com o Silvio. Brigamos uma vez e ficamos 11 anos sem falar um com o outro. Mas Silvio não guarda mágoa. Quando fui da Globo para a Bandeirantes (em 1987), ele me chamou de louco e me tirou de lá. Quando me separei da Marilda, pedi um empréstimo para comprar uma casa. Ele me disse: “Não vou emprestar nada. Escolha uma casa para você”. O Silvio me deu uma casa de US$ 200 mil (cerca de R$ 360 mil atualmente).
O que significa o banco da Praça?
É uma herança. É a minha vida. Tive um pai (Manoel de Nóbrega) maravilhoso que fez muita besteira na vida. Se não fosse o Silvio Santos, ele teria falido. Ele não me deixou nada material. Mas deixou a maior ideia da TV brasileira. Quer coisa mais simples que um banco? O maior presente seria terminar a vida fazendo a Praça. É um troço meio patológico. Enquanto existir a Praça, meu pai vai existir.
Fonte: Jornal Estado de Minas – 11/07/2010