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domingo, 25 de janeiro de 2015

ENTREVISTA RONARA REIS - 2015 será um ano difícil

O atual cenário econômico e as expectativas para o ano que se aproxima são analisados pela economista e professora da Unifei, Ronara Reis – com destaque para as cidades mineradoras

Entrevista publicada na edição 264 da Revista DeFato
 
Ronara Cristina Bozi dos Reis, professora da Unifei (Foto/Renato Carvalho/DeFato)
No auge da crise global de 2008/2009, Itabira, berço da Vale, maior mineradora de ferro do mundo, sofreu profundamente os efeitos da dependência de uma única atividade econômica. Desemprego, enfraquecimento do comércio, arrecadação ladeira abaixo e outros problemas correlatos causaram manifestações públicas, reações de sindicatos e trouxeram à tona uma discussão antiga: diversificação. Seis anos se passaram, investimentos foram feitos, parte dos empregos recuperados, mas o medo volta a pairar sobre a cidade.

O preço do minério de ferro está caindo de novo e o dinheiro começa a minguar nos cofres da Prefeitura. Também tem se falado em demissões na área da mineração.Diante do cenário preocupante, o prefeito Damon Lázaro de Sena ordenou redução de despesas até o fim do ano e sinalizou revisão do orçamento para 2015. A culpa, mais uma vez, é atribuída à dependência exagerada dos recursos minerais.
 
Na entrevista a seguir, a economista e professora da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus-Itabira, Ronara Reis, explica melhor esse e outros assuntos. Na visão dela, a discussãosobre a diversificação econômica nos municípios mineradores sempre existiu. Mas a história sempre se repete, da mesma forma,em todo o país. “Existe a descoberta do recurso, o início da exploração, o boom econômico decorrente, os sinais de esgotamento do recurso e, finalmente, o esgotamento. Se se sabe que o trajeto é esse, por que nada é feito?”, questiona.Uma pergunta que remete a questões de longo prazo.
 
Graduada em Ciências Econômicas pela UFMG, Ronara é mestre em Economia pelo Cedeplar/UFMG e doutoranda emCiencias de laEducación pela Universidad de Matanzas “Camilo Cienfuegos”,em Cuba. A seguir, ela também explica o atual momento econômico brasileiro, fala sobre o que é preciso fazer para o Brasil voltar a crescer e deixa um alerta: 2015não será fácil. A nova equipe econômica do governo Dilma vai precisar trabalhar muito para colocar a casa em ordem e priorizar o combate à inflação, palavra que apareceu muito nos debates pré-eleições. E é bem possível que haja mais impostos para o contribuinte pagar. Veja:
 
Tem se falado muito que 2015 será um ano difícil. Isso é pessimismo ou realmente precisamos nos preocupar?
 
Trata-se de uma mescla das duas possibilidades, mas, certamente, 2015 não será um ano fácil. As opções de política macroeconômica do atual governo comprometeram as contas públicas seriamente, haja vista a expansão dos gastos públicos dos últimos anos, para viabilizar Copa do Mundo, expansão de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Junte a isso a diminuição da arrecadação, justificada, inclusive, pela isenção do IPI para uma série de produtos. Se se arrecada menos e gasta-se mais, existe tendência natural ao déficit. Tais opções aumentaram o endividamento público (pois de algum lugar o dinheiro deve sair). No período eleitoral recente, tal realidade não apareceu, mas a discussão atual da alteração da meta do superávit fiscal trouxe à tona esse fato e a lei foi alterada para permitir uma leitura mais positiva do governo atual. Então, diante de tudo isso, 2015 não se apresenta com um cenário de expansão econômica, pois será necessário “colocar as contas em ordem”. O governo sinaliza tal possibilidade a partir da escolha da nova equipe econômica de perfil mais conservador. Certamente, algum ajuste virá. Desde 2002, com o Lula, foi mantido o tripé macroeconômico – superávit primário (arrecadação maior que gastos), metas de inflação e câmbio flutuante. Excetuando-se o câmbio flutuante, embora o governo, às vezes, intervenha, as duas outras sustentações do tripé não foram mantidas nos anos recentes o que comprometeu a condução da política macroeconômica. As alternativas para voltar ao tripé tendem a ser recessivas.

 
O que os gestores de cidades mineradoras podem esperar do próximo ano, com a queda nos preços do minério?
 
O minério é uma commodity, ou seja, o preço é determinado conforme regras de mercado, dependendo da oferta e da demanda do bem, e não há diferenciação do produto. Assim, se existe mais oferta do que demanda, o preço do bem cai. O Brasil beneficiou-se, ao longo da última década, da valorização dos preços das commodities no cenário internacional, o que propiciou superávits sucessivos na balança comercial e acúmulo de reservas. Se há queda no preço do bem, o fato de o país ser tomador de preços, de não poder determinar o preço da mercadoria, implica queda no rendimento de tal atividade. Os municípios que dependem exclusivamente deste tipo de produção tendem a ser prejudicados e a saída seria uma busca de atividades alternativas à mineração, o que já é um discurso bastante conhecido de todos: daqueles que vivem e daqueles que não vivem da mineração.

 
Como esse cenário de desvalorização do minério de ferro impactará os empregos e o comércio? Será igual a 2008/2009?
 
A discussão sobre a diversificação econômica de municípios mineradores não é nova e nem recente. Sempre existiu. A história sempre se repete aproximadamente da mesma forma nos diversos municípios mineradores: existe a descoberta do recurso, o início da exploração, o boom econômico decorrente, os sinais de esgotamento do recurso e, finalmente, o esgotamento. Além desse “ciclo”, a atividade mineradora traz consigo uma camada da população que pode ser chamada de flutuante (pois permanecerá no município em função da exploração de tal atividade) e os danos ambientais. Se se sabe que o trajeto é esse, por que nada é feito? É uma pergunta interessante, mas que remete a questões de longo prazo. A mudança de um perfil produtivo implica em um planejamento de longo prazo e da escolha de políticas que não podem ser de um só governo, mas que devem ser trabalhadas por diversos governos, demandando continuidade. No entanto, aparentemente, os governos fazem escolhas e estabelecem objetivos de curto e médio prazos e trabalham em função desses, implicando, obviamente, um sacrifício do longo prazo. A questão da inexistência da diversificação econômica é um exemplo da primazia dos objetivos de curto sobre os de longo prazo. Para modificar ou aumentar ou diversificar a atividade produtiva de uma realidade são necessários investimentos significativos e isso implica em custos de oportunidade (abrir mão de alguma possibilidade) que, por vezes, podem não ser desejados em determinados momentos ou por determinadas administrações. É uma questão de escolha, mas que tem implicações no futuro. Itabira é um caso interessante, pois é sabido que, há alguns anos, o professor Paulo Haddad conduziu uma pesquisa que pretendeu responder a essa questão. Os resultados do estudo apontaram para duas possibilidades: educação e saúde. O município deveria, pois, de acordo com o estudo, direcionar sua vocação para esses setores, que me parecem boas saídas de fato. Na área de educação, a vinda da Unifei sinaliza alternativa à atividade produtiva do município. Trata-se de priorizar e de eleger o que se pretende para o município e canalizar esforços e recursos para isso.

 
Qual conselho deve seguir os municípios que estão começando agora a viver o cotidiano da mineração? 
 
Para os municípios mineradores, a história é o melhor conselho que eles deveriam seguir. Sabendo do esgotamento do recurso explorado no longo prazo, há que se planejar e não se deixar levar pelo entusiasmo ingênuo de curto prazo. Itabira (MG), Parauapebas (PA) são bons exemplos a serem estudados e analisados.

 
No período eleitoral, um dos principais debates foi a inflação. Qual a sua opinião sobre a política econômica adotada pelo governo nos últimos anos?
 
Primeiramente, vamos ao termo inflação. Inflação, em suma, é o aumento generalizado dos preços. Os indicadores refletem a elevação média dos preços de uma economia. Alguns fatores podem causar essa elevação de preços: o aumento da demanda, a escassez da oferta, a expectativa dos agentes econômicos em relação à conjuntura e à condução da política macroeconômica. Os preços são, então, o resultado da interação entre agentes econômicos e o combate à inflação passaria pela alteração de tal interação. No Brasil, pode-se observar a aceleração do aumento de preços a partir dos diversos indicadores que o medem. Por vezes, as políticas adotadas para o combate à inflação sugerem que a inflação é do tipo inflação de demanda e, como tal, para ser combatida, deve-se “segurar” o comportamento do consumidor. Assim, a taxa básica de juro (Selic) é aumentada. Com isso, assume-se que a responsabilidade pela volatilidade dos preços é o comportamento dos consumidores que demandam mais bens e mais serviços, pressionando os preços dos mesmos. Aqueles que advogam por essa causa dirão que o aumento de renda, o pagamento do Bolsa Família, a facilidade de crédito levam à inflação na economia brasileira. Porém, há um outro problema grave que é a incapacidade de aumentar a oferta, expandindo as possibilidades de produção da economia brasileira. Trata-se de um problema do lado real, do lado produção, da impossibilidade de aumentar a produção de bens e serviços para a população. E isso é muito sério, pois trata-se da impossibilidade de gerar mais emprego e mais renda. A discussão atual e legítima é essa: como aumentar a produtividade dos fatores de produção brasileiros, ou seja, como tornar o capital (máquinas, equipamentos) e a mão deobra (qualificada e não-qualificada) mais produtivos e como melhorar a relação entre eles. O aumento da produtividade do capital passaria, inclusive, pela capacidade de inovação, enquanto os ganhos de produtividade do fator trabalho passaria pela qualidade de mãodeobra brasileira. O problema é bastante profundo, mas, em linhas gerais, pode-se afirmar que, enquanto o país não levar a sério a formação de sua mãodeobra e não tiver uma política de Estado para a questão educacional, para a produção de ciência e de tecnologia, para a sofisticação produtiva, sempre serão necessárias políticas de combate à inflação de curto prazo e que “seguram” o comportamento do consumidor.

 
E qual deve ser o caminho a partir de agora?
 
Diante da conjuntura, é necessário colocar as contas em ordem e esse é o sinal que vem sendo dado pelo governo, dada a escolha de uma equipe econômica com perfil mais conservador, o que implica uma prioridade no combate à inflação. Importante ressaltar que a estabilidade de preços é importantíssima e que os agentes que mais ganham com ela são os de baixa renda, pois estes não têm como recorrer às “firulas” do mercado financeiro para proteger o seu poder de compra. Entenda-se que poder de compra é a quantidade de bens e de serviços que se pode adquirir com determinada quantidade de dinheiro. Em um ambiente inflacionário, em que os preços aumentam, o poder de compra fica reduzido e compram-se menos bens e serviços. Daí, a estabilidade de preços ser uma preocupação legítima de todo governo sério.

 
Em termos macroeconômicos, o que deve ser feito para o país voltar a crescer?
 
Como já mencionado anteriormente, para o país voltar a crescer, é preciso aumentar a produtividade dos fatores de produção. Isso significa que é necessário investir em educação, em infraestrutura, em inovação, em tecnologia. Todas essas políticas são de longo prazo e exigem investimentos vultuosos. Porém, todos os países desenvolvidos e estáveis precisaram levar a sério tais fatores. Não haverá crescimento sustentado, enquanto não houver políticas de Estado que propiciem isso!


Acredita que haverá aumento de impostos?
 
Colocar as contas públicas em ordem não necessariamente implica em aumentar o número de imposto, mas pode significar a volta de alguns impostos ou o aumento das alíquotas dos já existentes. Já há alguns exemplos como o aumento do IOF, o fim da isenção do IPI, tudo isso significa mais caixa para o governo. Então, essa possibilidade existe!

 
Nesse cenário, quais as principais dificuldades enfrentadas principalmente pelos micro e pequenos empresários?
 
Depende! Não penso que haja uma dificuldade específica para os micro e os pequenos empresários. Acredito que haja uma dificuldade para a economia como um todo. Os números apontam para uma diminuição da atividade econômica, para um aumento do nível de preços e isso impacta a economia como um todo. Para os micro e pequenos, o que deve ser feito é um gerenciamento mais rigoroso e a adoção do planejamento como uma ferramenta permanente da tomada de decisões. A leitura da conjuntura econômica, o conhecimento do mercado em que se está inserido são condições fundamentais para a sobrevivência no curto, no médio e no longo prazos. Levar o negócio e a pequena empresa de maneira mais profissional é a chave para o sucesso e para a sobrevivência empresariais.

 
Algo mais que mais gostaria de acrescentar?

Por fim, gostaria de salientar que, em economia, as expectativas, aquilo que se espera que ocorra, a forma como a realidade é lida pelos agentes econômicos, são fatores cruciaispara que as políticas econômicas sejam bem sucedidas. Esse é o caráter humano da Ciência Econômica: depende da reação dos agentes. Assim, para o bom andamento do conjunto da economia e da sociedade são necessárias instituições sólidas. Há que se confiar no que está sendo dito, proposto e feito. Os sinais enviados pelas esferas de poder não podem e não devem ser contraditórios. Nesse momento, há uma crise de confiança no país. É no resgate dessa confiança que se deve trabalhar.
 
 
Fonte: DeFato "On Line"

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