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Consultor da TV Cultura, Fernando Martins (Foto/Tatiana Santos/DeFato)
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Uma das principais notícias desta semana em Itabira foi a possibilidade real de a cidade perder a concessão da TV Cultura, inaugurada no governo Olímpio Guerra e herdada pelo governo Damon de Sena na mais completa precariedade. O TREM entrevistou o produtor audiovisual Fernando Martins, contratado para reestruturar a emissora. O assunto é espinhoso, cheio de termos técnicos, mas entendê-lo é fundamental para saber o que se passa com a TV Itabirana.
O TREM - Podemos dizer que Itabira hoje, tecnicamente, está sem a concessão da TV Cultura, ou seja, perdeu-a. Por que e quando a perdeu?
FERNANDO MARTINS - A rigor, e pelo que checamos, a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade não recebeu nenhuma notificação do Ministério das Comunicações (Minicom) determinando a suspensão da programação da TV Cultura, tanto é que continua no ar, repetindo a Cultura de São Paulo. A questão é que, primeiro, temos que ter em mente que concessões públicas são sempre de caráter precário. No caso das concessões de radiodifusão, como estão envoltas de interesses políticos e econômicos em nível federal e são altamente dinâmicas, por causa das atualizações tecnológicas, é necessário um acompanhamento constante do interessado para que não se perca uma outorga, principalmente as mais assediadas outorgas, que são as de TVs abertas. Daí, após criteriosa checagem junto às regulamentações, antes mesmo da posse do atual governo, foram confirmadas uma série de pendências e erros graves que poderiam culminar com a cassação da concessão e até em processo de improbidade administrativa. Dentre elas, extinção do plano PBRTV (Plano Básico de Retransmissora Mista de Televisão); uso pirata do canal 4 VHF; link de subida de sinal sem licença; locação da torre fora do ponto licenciado e, mais recente, o decreto 355, de 12/06/2012, que passou a exigir seleção pública para canais educativos, ou seja, todas as TVEs teriam que passar por novas licitações, como centenas de outras emissoras do país. A TV Cultura de Itabira, portanto, além do completo sucateamento, foi entregue completamente irregular e corria risco de perder, definitivamente, o direito de uso. Na forma que se encontra hoje, posiciona-se no direito de renovação. Pelos motivos expostos, o prefeito Damon determinou a suspensão da programação local logo no primeiro dia de governo.
O TREM - O que está sendo feito para que essa perda seja revertida?
FERNANDO MARTINS - Para o canal 4 VHF não há solução; daí, não há outra saída além da retirada dele do ar, como foi feito. Para reenquadrar a emissora, de forma a continuar no canal 35 UHF, foi contratada uma empresa de engenharia de TV, no primeiro semestre de 2013, tendo refeito o projeto com as novas locações da torre e protocolado 4 novos pedidos, no dia 3 de julho de 2013, dentre eles o de reiteração dos pedidos de 1998, que solicitava aumento de potência e transformação em estação geradora. Um ano após, o Minicom, lamentavelmente, indeferiu o pedido, alegando a referida Portaria 355, mas cabe recurso, uma vez que há protocolo anterior (de 1998) sem deferimento. A título de plano B, a Prefeitura de Itabira protocolou um pedido de Canal de TV Cidadania, previsto para entrada no ar no país neste ano, pelo governo Dilma, mas que ainda não foi oficialmente implantado no país. Nos próximos dias, após vários contatos com experientes profissionais da área e reuniões na Delegacia Regional do Minicom, a FCCDA deverá celebrar contrato com uma empresa especializada em direito em radiodifusão, uma vez que, do ponto de vista técnico, os processos já estão adequados. Como há recurso, temos grande expectativa na recuperação do canal, principalmente por sermos a cidade de Carlos Drummond de Andrade, por ser um canal educativo/cultural e por ser Itabira polo regional econômico, de saúde e educativo.
O TREM - Se confirmar a perda, o que a cidade fará com os equipamentos comprados?
FERNANDO MARTINS - O velho galpão em reforma e os equipamentos comprados nesta gestão, que foram bem poucos até agora (3 ilhas de edição, softwares e alguns acessórios), numa pior hipótese, poderão ser reaproveitados para coberturas oficiais, produções culturais, como têm sido feitas, e produção de matérias jornalísticas que podem ser veiculadas numa Web TV, a ser implementada. Há ainda outra proposta em análise, para alocar neste prédio uma escola de artes visuais. Como vê, não será, de forma alguma, um investimento perdido. Aceitar a perda de um canal sem atitude é que não poderíamos.
O TREM – Reduzir a TV Cultura a TV só na internet seria uma grande perda. Concorda?
FERNANDO MARTINS - Esta é uma das diretrizes de suporte do plano macro de reestruturação da TV Cultura de Itabira, que contempla a criação dessa Web TV, para se assistir à programação em tempo real (streaming) e sob demanda. É uma migração de tendência mundial, porque as bandas disponíveis para radiodifusão estão ficando muito adensadas, principalmente pela altíssima demanda da telefonia móvel, wifi etc. Como se trata de um espectro finito, a Web TV é o futuro mais certo que temos para o momento. A priori, pensarmos em só contar com este canal web, em detrimento de uma TV aberta, seria, sim, uma perda, mas também uma aplicação correta dos recursos. Temos que considerar, também, que replicar conteúdo na web abrem duas novas oportunidades: de geração de renda menos restritiva, ao permitir a veiculação de anúncios e merchandisings sem as limitações dos “apoios culturais”, com foco na sustentabilidade da emissora, e propõe, também, o reforço de audiência para acesso dos novos telespectadores, antes ignorados. Enfim, entraremos de vez na era da convergência digital.
O TREM - Quanto o governo municipal investiu até agora na reforma da emissora?
FERNANDO MARTINS - O investimento inicial estava previsto para cerca de 1 milhão de reais, incluindo aí a reforma do velho estúdio da rua Santana (que foi entregue bastante deteriorado), contratação de técnicos (telecom, direção e direito em telecom), equipagem básica (só mesmo equipamentos mais elementares), acústica, climatização do estúdio, cenografia e mobiliário. Para o projeto pleno, que só será implementado se conseguir a outorga de geradora, prevê a construção de 2 novos prédios já projetados, sendo um deles a Estação Geradora, que orçamos algo entre 3,5 a 5 milhões de reais, cujos valores dependerão da configuração necessária em função do plano de outorga a ser obtido.
O trem - Se tinha noção de que poderia perder a concessão, por que o governo continuou investindo na TV? Foi um investimento de risco?
FERNANDO MARTINS - Não conheço investimento sem risco. No caso de radiodifusão, então, muito menos. Como disse, mesmo que o município tivesse uma outorga, como é uma concessão, ela poderia ser cassada a qualquer momento, por meio de mero decreto federal, como ocorreu em 2012. Enfim, como diz o ditado, não há como fazer omelete sem quebrar os ovos. No campo da tecnologia, temos que estar aptos a reagir a todos os tipos de risco. De obsolescência acelerada, de queda de raio no sistema radiante, à demandas de concessões. Faz parte do negócio. Para mitigar este risco é que projetamos, como plano C, caso nenhuma das duas outorgas sejam liberadas e ainda que não seja o melhor modelo para o momento, a adequação do projeto para Web TV e para uma escola de artes visuais.
O TREM – Mais alguma informação relevante?
FERNANDO MARTINS - Projetamos uma rede regional de televisão, que receberá conteúdo da região da Amepi e compilará um jornal mais abrangente, fortalecendo Itabira, efetivamente, como polo econômico, político, social, educacional, cultural e de saúde. Num mundo globalizado, não há como firmar um município fechado nos seus limites geográficos. Do ponto de vista editorial, no projeto pleno, o prédio da rua Santana passará a ser um núcleo de coprodução, que gerará conteúdo produzido pela própria população, tornando a emissora mais aberta, editorialmente falando; será mais econômica, uma vez que estas produções serão empreendidas pela população; gerará nova possibilidade de renda para classe artística; e ainda poderá ter grade de programação ampliada. Aposto, portanto, como maior legado desta gestão, não nos investimentos em tecnologia, que se tornam obsoletos rapidamente, mas esta transformação da emissora em rede regional de TV e a abertura editorial, cujo Código de Ética e Normas de Conduta já está pronto, em fase final de aprovação.
INFORMOU O PLANTÃO O TREM, site O Cauê (breve no ar)
Para redes sociais e cerca de 20 mil e-mail cadastrados.