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sábado, 13 de dezembro de 2014

ENTREVISTA MÁRCIO PASSOS - "O eleitor mudou mais que o político"

Jornalista e marqueteiro Márcio Passos diz que os candidatos ainda não assimilaram que precisam falar menos e escutar mais

Jornalista e marqueteiro Márcio Passos (Foto/Renato Carvalho/DeFato)

Entrevista publicada na edição 263 da Revista DeFato
 
Quando foi entrevistado pela primeira vez por DeFato (quando ainda se chamava Itabira e Centro Leste em Revista), em janeiro de 1995, Márcio Magno Passos, era o homem forte do governo Li em Itabira, responsável pela coordenação de Governo e Comunicação. Naquela época, começava a colecionar vitórias como marqueteiro político e uma das mais expressivas foi justamente a eleição de Olímpio Pires Guerra, que depois o convidou para integrar a equipe que administraria a prefeitura até 1996.
 
Dezenove anos depois, Márcio Passos está de volta às páginas de entrevista de DeFato. E o período não poderia ser melhor. Afinal, o Brasil acaba de passar pela disputa eleitoral mais acirrada de sua história, com a vitória de Dilma Rousseff (PT) sobre Aécio Neves (PSDB) por pouco mais de 3% de diferença dos votos válidos. Para Márcio, não há dúvidas: o eleitorado evoluiu mais que os políticos e, por isso, os pleitos tendem a ser mais difíceis. 
 
Márcio Passos nasceu no Rio de Janeiro, mas veio para Minas Gerais com menos de um ano. Passou por Belo Horizonte e Nova Lima, até que se estabeleceu em João Monlevade. Hoje, tem a estrada do Forninho como sua “ponte aérea” e já é quase um itabirano de endereço fixo. Chamado de forasteiro no passado, decidiu que a terra de Drummond será também sua daqui para frente.
 
Aos 63 anos, calejado pelas dificuldades de tanto tempo na ativa, quem antes falava do início de carreira agora fala de aposentadoria. Na entrevista a seguir, além de comentar o cenário brasileiro e regional após as eleições, Márcio Passos também fala de seus 45 anos na comunicação (31 deles no Jornal A Notícia) e dos 25 dedicados ao marketing político. E sobre os motivos que o levaram a parar. Confira:
 
 
As eleições deste ano foram carregadas de reviravoltas. Que lições tirar dessa disputa?
 
Da eleição presidencial, a primeira lição que fica é que cresceu muito a consciência política do eleitor. O eleitor mudou mais do que o político. O eleitor está mais exigente quanto à capacidade de gestão dos políticos. E os políticos se mostram cada vez menos preparados para terem a garantia dos votos dos eleitores. Acho que está tendo um distanciamento. O político ainda não percebeu a evolução da consciência eleitoral. Muita gente questiona o resultado da eleição, muita gente faz avaliações prematuras e até mesmo distorcidas. Eu acho que o Brasil está evoluindo muito e essa disputa acirrada, com esse quase empate, fortalece muito a democracia. Eu vi alguém dizer, não lembro quem, que a democracia não é união de pensamentos como quer a presidente. A democracia é a diferença de pensamento. Mas a maior lição que fica é essa mesmo: o povo está cada vez mais exigente, e os políticos que se emendem.
 
 
A campanha foi marcada por fases de baixo nível. Isso pode se transformar em uma tendência daqui para frente?
 
Sempre teve isso na política. Não é de agora. Mas o que colaborou muito nessa campanha para aparecer mais o baixo nível foi a rede social. A grande eleição da rede social foi esta de 2014. Isso vem sendo anunciado há mais de dez anos, mas nunca, de fato, aconteceu. E neste ano ela entrou para valer. E na rede social todo mundo se sente anônimo, né. Todo mundo se sente no direito de falar o que acha, falar verdades e verdades, atacar, provocar... Desta vez a rede social veio quente. E ajudou muito a jogar a campanha para baixo. Os próprios candidatos que ficaram no segundo turno também não se resguardaram e colaboraram para baixar o nível. Eu não acredito que isso tenha favorecido nenhum dos dois. Eu, particularmente, trabalho em campanha há 25 anos e acho que campanhas de desconstrução e ataques não funcionam. Entendo que o eleitor gosta de falar mal de político, mas não gosta de político falando mal de político. Acho que não é o caminho e que não deva prevalecer, mas sempre existiu e vai continuar existindo. O João Santana, da Dilma, até que ele foi feliz no propósito dele de desconstruir a Marina e depois o Aécio, mas o que definiu a eleição não foi isso. O que definiu a eleição foi a grande simpatia dos nordestinos com a Dilma, muito pela ação social – e aí se destaca o Bolsa Família – e uma resposta negativa que o Aécio Neves não esperava em Minas Gerais e a reboque o Rio de Janeiro. Foi isso que decidiu.
 
 
Em âmbito regional tivemos a eleição de dois deputados. Que leitura você faz desse resultado?
 
A primeira leitura que eu faço é que aconteceu com a grande liderança da região, que é o Mauri Torres, a mesma coisa que aconteceu com o Aécio. Eles cometeram o mesmo erro. Eu sempre repito que político quando acha que é o dono da situação, ele começa a pisar na bola e a perder espaço. O Aécio achou que era dono da política em Minas, pegou pela gola do colarinho o Pimenta da Veiga e falou “esse é meu candidato”. Não conversou com o grupo. O Mauri Torres fez a mesma coisa. Quando ele foi para o Tribunal de Contas e conseguiu eleger um filho prefeito de Monlevade, pegou o outro filho pelo colarinho, colocou em cima da mesa e falou “esse é o candidato a deputado estadual”. Também não consultou ninguém. Se esqueceu que toda história política que ele construiu foi através de um grupo que ele preservou, que ele construiu e que trabalhou com ele esse tempo todo. Política é grupo. Todos dois pecaram nisso e pegaram um preço muito grande. O Mauri Torres recebeu a resposta nas urnas de Monlevade. O filho dele só se elegeu porque foi muito votado em outros municípios muito distantes da nossa região. E, mesmo assim, entrou na beiradinha. Quinhentos votos a menos, ele não estaria. O Aécio, quando percebeu que cometeu um erro, a eleição já estava perdida. E isso refletiu muito no segundo turno e colaborou para sua derrota.
 
 
Teve também a eleição do Nozinho...
 
O caso do Nozinho mostra uma lição que esta eleição deixou bem clara. O político não pode se esquecer da importância da comunicação. Tanto na sua vida pública, como também nas campanhas eleitorais. O marketing eleitoral hoje é indispensável e tem que ser profissionalizado, não pode ser mais amador. A comunicação governamental, além de uma obrigação constitucional, ela é supernecessária. Não basta fazer! Você tem que fazer, fazer bem feito e mostrar que você fez. Hoje nós vivemos em um mundo globalizado com excesso de informações. Se você não priorizar as informações do que você faz, passa batido. Espontaneamente as pessoas não se informam sobre o que os políticos fazem. O Nozinho foi muito feliz durante o governo dele, porque fez uma comunicação muito eficiente, tanto interna quanto externa. Ele saiu do segundo mandato com 87% de aprovação, com todas as contas aprovas e sem nenhum processo na justiça. A avaliação externa dele era muito boa, porque toda região viu o que aconteceu em São Gonçalo. Isso o credenciou a ser eleito como deputado, e ainda contou com um desgaste político de grupos em Itabira e João Monlevade.
 
 
A função do marqueteiro político ainda é muito marginalizada no Brasil?
 
Eu acho que diminuiu muito, sabe. Porque o entendimento passou a ser mais claro. Na verdade, um pouco da marginalização da imagem do marqueteiro é porque ele está muito ligado aos políticos. E o político é uma das classes com piores avaliações hoje no Brasil. Mas também havia um péssimo entendimento com relação ao marqueteiro. De que o marqueteiro preparava o político para as coisas ruins, para o caminho errado. Não, não é isso. A função do marqueteiro é muito simples. É ouvir o anseio popular e preparar o seu candidato para levar as propostas que o eleitor quer. Muita gente acha que marqueteiro doura a pílula demais, que ele cria uma fantasia, ou cria uma imagem muito falsa do candidato. Não é isso. Até porque o eleitor não é tão bobo assim. Mas que a função do marqueteiro é, até certo ponto, dourar a pílula, é. Quem vai contratar marqueteiro para destacar os pontos fracos do candidato? Não existe isso, pô. Marqueteiro existe para destacar os pontos fortes do candidato. É para fazê-lo ser eleito. Cabe ao marqueteiro, na hora de ser contratado, analisar se quem está contratando merece esse trabalho e se ele é confiável para levar as propostas para o eleitor. Tem gente que analisa, tem gente que só pensa no dinheiro. Mas eu acho que hoje o papel do marqueteiro já está sendo mais compreendido pela população e essa marginalização reduziu. Eu faço parte da Associação dos Consultores Políticos do Brasil e eles sugerem que a gente até evite usar o termo “marqueteiro”. Eles nos classificam como “marquetólogos” e insistem que a gente trabalhe com esse nome. Eu não ligo para isso. Pode me chamar de marqueteiro ou marquetólogo. O importante é o resultado do meu trabalho e eu procurar ter princípios morais. Mas eu jamais vou ser contratado para mostrar os pontos fracos do candidato. Um exemplo muito claro é a eleição da Dilma. A Dilma, independente do julgamento do mérito da capacidade de governança dela, nunca foi uma pessoa muito simpática. Ela é muito durona, tem histórias de brigas com políticos, com empresários, com auxiliares, tem uma dificuldade muito grande de discurso. E na campanha a gente via uma pessoa totalmente diferente. A Dilma que estava na campanha não é a Dilma que governou o Brasil por quatro anos. Ela foi trabalhada, estava doce, carregou crianças, deu beijo, se mostrou simpática, sorriu. Mas a Dilma que fez o discurso da vitória já estava mais perto da Dilma dos quatro anos atrás. Aquela Dilma ternurinha, toda simpática, já começou a sumir. Tanto é que a impaciência dela era visível com a militância, que queria gritar palavras de ordem e é coisa que ela não gosta. Não adianta. Função do marqueteiro: ir até o eleitorado, através de pesquisas e instrumentos técnicos e eficientes, saber o que o eleitor quer e levar para o candidato.
 
 
O senhor sempre foi ligado à área política, mas apenas uma vez aceitou um cargo público, no Governo Li, em Itabira. Por quê?
 
Já tive outros convites. Na verdade, quando o Li me chamou, pensei muito antes de aceitar. Eu não tenho muita vocação para cargo muito burocrático. A burocracia da função pública é muito complicada. Mas o Li me fez um desafio, eu aceitei e dei muita sorte porque eu trabalhei com um dos homens mais sérios que eu conheci na política. Foi um governo muito bom, de excelentes resultados e eu aprendi muito. Foi uma experiência que para mim foi suficiente na administração pública, mas eu não digo que nunca mais vou aceitar um convite. Mas os desafios que eu tenho recebido como consultor, tanto de candidatos quanto de políticos em exercício, estão me atendendo. Eu acho que tenho sido até mais útil do que se eu estivesse como funcionário da prefeitura, porque além de estar sempre em contato com o governo, eu trago o olhar externo, o que me permite uma avaliação mais isenta. Não tenho muito interesse em aceitar um cargo, mas não digo que dessa água não beberei mais. Depende do desafio que surgir.
 
 
Nessas tantas décadas dedicadas ao jornalismo, o que mais mudou nessa área?
 
Eu estou no jornalismo desde 1969 e a grande diferença que eu percebo está sendo provocada pela internet. A comunicação ficou muito mais ágil, e muito mais democrática. Hoje todo mundo emite opinião. Eu acho que o jornalismo impresso como a gente pratica hoje vai se consolidar como um jornalismo de análise, de mais detalhes, de mais aprofundamento na notícia. O pessoal que quer ter acesso mais rápido e superficial vai ficar na internet. A minha preocupação com a internet é a seguinte: a abertura. Todo mundo entra, fala o que quer e isso está gerando certa naturalidade na irresponsabilidade de se postar coisas. Isso pode vir a fortalecer depois o jornalismo tradicional. Chega um ponto em que muita gente vê algo na internet e depois vai para o jornal confirmar se aquilo é verdade ou mentira. Eu não acreditava que iriamos tomar esse caminho e nem sei como ajustar isso. Está virando uma irresponsabilidade total. Ninguém tem responsabilidade sobre nada que posta na internet. Isso, infelizmente, desvaloriza um dos maiores avanços que nós tivemos na comunicação, pelo menos nos últimos 50 anos, que é a internet. Eu já tive mais medo em relação ao avanço dos novos meios de comunicação sobre o jornalismo impresso. Mas hoje eu tenho menos. Eu acho que a vida do impresso ainda é longa, mas vai reduzir um pouco o público. Os jovens de hoje não têm mais costume de ler jornal. Mas a partir da hora que eles amadurecerem um pouco, que passarem a ter mais responsabilidades profissional e familiar, eles passarão a ler.
 
 
A aposentadoria foi uma decisão difícil de ser tomada?
 
Não. Na verdade eu cansei. Eu costumo dizer que eu tenho as mãos iguais de moça. Acho que nem moça tem a mão mais lisa que a minha. Eu não tenho um calo na mão, mas a cabeça tem calos que não dão para contar. Eu trabalho em duas áreas muito difíceis, jornalismo e política. Eu não fiz jornalismo esse tempo todo para agradar, fiz o que deveria ter feito. E no interior isso é caro demais. Na capital e em grandes cidades o custo é bem menor, porque ninguém conhece ninguém, ninguém sabe quem é o dono do jornal, quem é o profissional que trabalha lá. Em uma cidade do interior, em uma região pequena igual a nossa, todo mundo sabem quem é o dono do jornal e quem é o jornalista. Então, você cria uma indiferença muito grande, umas inimizades gratuitas. Mas se você for preocupar com isso, você não faz o trabalho. Tem que passar por cima disso. E chega um ponto que você cansa. Em quase 45 anos, acho que já contribui bastante. Além disso, tem que abrir espaço para alguém novo chegar e assumir. Porque senão você começa repetir até os mesmos erros. A gente aprimora, mas também fica meio ranzinza quando está mais velho. Estava na hora de abrir o Jornal A Notícia para pessoas novas assumirem. Tem a minha filha que já está há uns dez anos no jornal e agora a equipe está quase toda renovada. O jornal não tem que ter dono. Todo jornal que tem dono, não é bom para a comunidade. O jornal tem que ser trabalho de equipe. Mais do que aposentar, eu quero descaracterizar o jornal de mim. E o jornal, pelos 30 anos de trabalho que já fez, tem vida própria. Alguns anos ainda vou me dedicar ao marketing político, com mais duas campanhas, e depois vou ficar na área do turismo.
 
 
Alguma outra consideração?

Eu só queria voltar um pouquinho na questão do marketing. Eu acho que o eleitor vem dando um recado há mais tempo e poucos políticos têm entendido. Quando alguém decide se candidatar, ele se prepara para fazer discurso, fica muito preocupado com o que vai falar. E o eleitor já tem mandado várias vezes o mesmo recado: ele não quer ouvir político, ele está querendo ser ouvido. E a maioria dos políticos não consegue entender isso. Tanto os políticos que estão já no exercício da carreira como aqueles que estão querendo entrar. Eles acham que o eleitor está querendo ouvi-los. Não, o eleitor está querendo é ser ouvido. E muitas vezes ele define o voto só pela satisfação de ter sido ouvido. Eu tenho brigado muito com os políticos que assessoro por isso. Nós temos dois ouvidos para ouvir mais do que falar, porque senão teríamos duas bocas. E na política isso tem que prevalecer mais ainda. Todos os políticos que eu pedi isso e que fizeram, o resultado foi maravilhoso. O povo quer falar, o povo quer ser ouvido. Do mesmo jeito que nas repartições públicas, os titulares precisam discutir a questão de melhoria no atendimento. O cidadão, muitas vezes, fica com raiva não é porque o pleito dele não foi atendido, o que mais irrita é o mau atendimento. O cara chega lá e é mal atendido. Não vou dizer que é todo mundo, mas uma grande parte está atendendo mal. É o famoso “que cêqué” ou “já foi atendido”. Não é isso. O cara que chega lá, indiretamente é o patrão. Ele é quem paga o imposto para sustentar o emprego de quem está ali atendendo. Então, tem que melhorar o atendimento. Tem que estender tapete vermelho, atender as pessoas com mais humanidade e mais educação. O problema nosso na Saúde, é também a falta de remédio e profissionais, mas, mais do que isso, é receber bem as pessoas. As pessoas já estão debilitadas por um monte de problemas e tem que ser, no mínimo, bem recebida. Se ele for bem recebida na recepção, muitas vezes não precisa nem chegar no atendimento. Na maioria dos casos, o atendimento é tão ruim que agrava a situação. Agrava a situação do cidadão e cria uma imagem muito ruim. Isso é comunicação. Comunicação não é só ir ao jornal fazer propaganda, ir à rádio falar, mostrar algo do governo. O atendente que está à frente de qualquer serviço e atendendo ao cidadão, ele está falando em nome do governante. E muitos não conseguem entender isso. E esse recado ficou bem claro. 
 
 
Fonte: Site DeFato "On Line"

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